quarta-feira, 26 de novembro de 2008

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

ARTE AO ALCANCE DA CRIANÇA



Arte: ampliando horizontes e formando cidadãos

POR: MARIA GABRIELA MIELZYNSKA

De uma maneira ou de outra, as crianças se deparam com a necessidade de apreensão de significados e códigos desde o início das suas vidas, algo que também se traduz (por que não?) no contato destas com as mais variadas formas de arte. Esta necessidade de apreensão se torna ainda mais urgente quando há o ingresso na escola. Assim, se o processo se intensifica quando as crianças aprendem, entre outras coisas, a ler, a escrever, a adicionar e a subtrair – e se o escritor se comunica com palavras e o matemático com números –, o interesse infantil também se abre na escola ainda mais para as estruturas visuais da arte, estruturas criadas com a intenção da comunicação de significados sobre a maneira pessoal do artista de encontrar sentido no mundo que o rodeia.

Ainda sobre a necessidade – e, melhor dizendo, a capacidade – que as crianças têm de apreender o mundo, de reparar nos mínimos detalhes e de olhar com atenção, devemos dizer que ela é infinita, algo que constatamos durante a nossa trajetória no ensino das artes. Em todo contato nosso – e de obras de arte por nós propostas – com crianças, estas nos chamaram a atenção para as cores, as formas e as estruturas visuais que constituem um quadro, por exemplo. Não pudemos deixar de concluir, então, que as interpretações dos pequenos das imagens e os trabalhos artísticos que vieram a desenvolver em cima destas interpretações refletiam um repertório imagético e cultural consideravelmente amplo.

Partindo do pressuposto (mais do que aceito e comprovado) de que a arte é algo “universal”, podemos concluir que o desenvolvimento da sensibilidade, da criatividade, dos horizontes cognitivos e da compreensão da criança do seu patrimônio cultural – processo de suma importância para a sua formação enquanto sujeito social – ocorre por causa do desmoronamento das barreiras lingüísticas, culturais e religiosas que acontece no contato com as obras de arte. Em outras palavras, mesmo que não saibamos nada a respeito da vida de pessoas que viveram em tempos e lugares distantes, as obras de arte que estas pessoas criaram possuem o poder de, de uma maneira ou de outra, nos encantar no presente com suas soluções pictóricas. Deste “encantamento” surge o interesse nos significados das obras e, a partir dos significados, começamos a penetrar nos universos pessoais, sociais, políticos e culturais dos criadores... Ora, o que poderia melhor derrubar barreiras e preconceitos a respeito de qualquer assunto se não o conhecimento e o interesse por este assunto?

Vejamos agora, passo por passo, como ocorre o desenvolvimento da capacidade das crianças de criar e “recriar” no contato destas com as artes – contato facilitado pela Arte Educação. Num primeiro contato com uma obra de arte, os alunos ficam geralmente interessados em saber “por que” o artista criou sua obra. O olhar que interroga o objeto observado se desenvolve atentamente e é seguido pela curiosidade em saber o que teria inspirado o artista, que contexto cultural influenciou suas escolhas e em que momento da História a obra foi criada.
Uma vez identificado o tema, ou seja, o que se encontra representado na obra, os alunos procuram saber a respeito dos processos, do planejamento da composição e da sua elaboração, pensadas para que o quadro tenha uma determinada aparência: o “como” do fazer artístico. Ao mesmo tempo, surge o interesse em saber o que teria influenciado o artista, porque ele pintou de determinada maneira e qual seria o significado da obra em questão.

Pescadores(Di Cavalcanti – 1951)

Pescadores da Baixada(Mauricio de Sousa Produções – 2001)

Dito isto, podemos reafirmar que o contato do aluno com as obras de arte através de reproduções em livros, cópias em xerox, transparências ou slides projetados durante a aula, exposições e projetos como o “História em Quadrões”, além de propiciar o conhecimento de obras que tiveram um impacto marcante sobre a nossa identidade cultural, possibilita e facilita uma reflexão sobre o próprio fazer artístico. Assim, no projeto “História em Quadrões”, por exemplo, ao utilizar reproduções de quadros de grandes mestres e suas releituras pelo “mais do que pop” Mauricio de Sousa, o professor estará facilitando o contato, a análise e a valorização de marcos da História da Arte pelos alunos e, ao mesmo tempo, estará incentivando a elaboração de novas interpretações tanto das obras abordadas quanto de outras.
Ora, se através do “olhar”, do “ver”, do “adaptar”, do “transformar” e do “criar” a criança estará compreendendo e apreciando os métodos que o artista pode escolher para organizar as linhas, as formas e as cores presentes em seu quadro, sua própria criatividade, poder de observação e organização estética é que sairão ganhando.
Quanto à metodologia para a abordagem das obras de arte pelos educadores, vejamos quais são os elementos mais essenciais a serem explorados:
os elementos estruturais da linguagem plástica: cor, linha, forma, ritmo, volume, etc;
as relações históricas e sociais da época em questão;
as formas de representação: desenho, pintura, aquarela, mosaico, instalações e outros, em suma, os diferentes suportes e os meios com que são realizadas as obras.
Vejamos agora, como exemplo, como será despertado o interesse infantil não apenas nas artes, mas também nos “universos” de onde estas nasceram no projeto “História em Quadrões”, parceria da Folha de S. Paulo, da Mauricio de Sousa Produções e da Associação Artensino para estudantes do Ensino Fundamental, envolvendo releituras de grandes obras realizadas, em primeira instância, por Mauricio de Sousa e, finalmente, pelos próprios estudantes.
No projeto temos, em tela e tinta, releituras tanto de Botticelli e Rodin quanto de Van Gogh, Gauguin, Anita Malfatti, Portinari... Releituras que não deixam de levar em conta, além dos temas das obras-primas, as técnicas, as cores e as composições utilizadas pelos mestres em suas criações. A iniciativa busca “cruzar” dois universos: aquele visto por muitos como “carrancudo”, “tradicionalista” e “complexo” das artes plásticas e um universo a que praticamente todos aqueles que foram crianças no Brasil a partir dos anos 60 tiveram acesso e, mais do que isto, passaram a amar: o da Turma da Mônica. Deste cruzamento decorre o desmoronamento de qualquer preconceito que se possa ter, sendo criança ou adulto, em relação às artes e ao que estas representam. Ora, afinal de contas, como podemos não nos interessar por um artista que foi “reinterpretado” com a Mônica fazendo parte da releitura e nos apontando indiretamente para o original? Como alguém pode tachar de “dura” e “empostada” a representação de David da coroação de Napoleão como Imperador da França se, ao lado da obra do francês, temos uma releitura de Mauricio com Cascão sendo coroado? Como não ter interesse na “Mona Lisa” de Da Vinci se, ao lado da obra-prima, vemos, com composição e cores análogas, a “Mônica Lisa”?
Não podemos nos esquecer de que cada professor deve desenvolver a sua metodologia didática conforme a sua experiência e o universo social e cultural da classe em que atua, de maneira que a programação dos trabalhos artísticos desenvolvidos pelos alunos possa ser enriquecida com elementos inerentes aos seus próprios universos.
Enfim, depois de refletirmos a respeito de tudo o que foi dito acima, podemos ou não afirmar que o ensino da História da Arte nas escolas é de suma importância como princípio integrador de todas as disciplinas do currículo, sendo uma das principais conexões para viabilizar a interdisciplinaridade e transversalidade?